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Psicologia  

Deficiência - Onde Está?

December 02, 2015

Por Filipa Filipe.

 

Créditos Imagem: Google Imagens.

 

 

DEFICIÊNCIA – ONDE ESTÁ?

 

I

 

Partindo do princípio básico de que a vida na Terra é composta por uma quase infinita diversidade de espécies, facilmente se assume, que dentro de uma dada espécie existem membros muito diferentes uns dos outros. Na espécie humana, há uma enorme variedade e variabilidade de características, umas mutáveis ao longo do desenvolvimento ontológico, outras mais instáveis, e ainda outras tantas, que são mais constantes. Em relação ao Homem, se forem consideradas as suas características individuais, consegue-se discernir que há algumas que poderão ser mais vantajosas que outras, num dado contexto, determinando assim o seu sucesso ou insucesso.   

 

O que é a deficiência? Intuitivamente, ou consultando um qualquer dicionário, associa-se a algo que falta. Então, de alguma forma, todas as pessoas são incompletas, têm alguma deficiência. No entanto, há limitações mais graves que outras, independentemente dos domínios a que respeitem: biológico, psicológico (cognitivo e emocional) ou social. A Organização Mundial de Saúde consagrou a deficiência como um conceito em mutação, mas que faz parte da condição humana. Quase todas as pessoas terão uma deficiência temporária ou permanente nalgum momento das suas vidas. No envelhecimento, as pessoas deparar-se-ão com cada vez mais com dificuldades em relação ao funcionamento do corpo e da mente. A deficiência corresponde a uma interacção dinâmica, entre problemas de saúde e fatores contextuais, pessoais e ambientais. Portanto, não se trata de um atributo da pessoa, só que pode acarretar restrições em termos de acesso e participação eficaz na sociedade, o que inevitavelmente comporta um impacto psicológico negativo.

 

II

 

A psicologia tem sido uma área do saber indispensável na investigação dos fenómenos mentais, ajudando na hercúlea tarefa de construir visões e compreensões sobre o homem. Numa óptica mais salutar, destacam-se dois cientistas sociais mundialmente conhecidos. Carl Rogers, psicólogo criador da escola humanista que postula que toda a pessoa tem recursos e um potencial para os desenvolver, cujo grande “pecado” associado é a imposição da autoridade, seja no contexto familiar, no ensino ou em terapia.

 

Já Boris Cyrulnik, psicólogo e pai do conceito de resiliência, defende que a nossa história não determina o nosso destino, sendo que as desgraças acontecem a qualquer pessoa, podendo esta assumir uma de duas atitudes: deixar-se abater e assim continuar a sofrer; ou então aceitando o desafio (e alguma dor) e seguir em frente com a sua vida. A resiliência não é algo que nasça já connosco, mas é algo que se constrói em relação. É a capacidade para crescer ao enfrentar situações muito problemáticas.

 

III

 

Se por um lado a deficiência é mais abrangente do que aparenta, e se por outro, TODAS as pessoas são dotadas de recursos internos, detendo o poder de escolher a forma como encaram os desafios da vida, então, onde está a verdadeira deficiência? Arrisca-se. É a sociedade que está deficiente. Não está devidamente preparada para acolher a enorme diversidade humana, porque não proporciona as devidas condições a todos (acessos limitados, outros).

 

E se de facto se quer ir mais além, tentando tocar mais pessoas que desconhecem ou conhecem pouco esta realidade, há que repensar também, o uso do nosso vocabulário. As palavras nos nossos discursos têm uma carga emocional, qualquer que seja o contexto onde são proferidas. Contudo, o intuito não é suavizar os acontecimentos ou discriminar pela positiva (ter piedade e ser alma caridosa). Dizer ‘o’ ou ‘a deficiente’ não é grave, evidentemente. Mas existe quem se sinta desrespeitado com isso (claro, existe igualmente quem não se sinta diminuído). Porém, se não se é o que se tem, então pode-se concluir que não há deficientes e sim pessoas com deficiência. Nas palavras da psicanalista Isabel Empis: “Ser não é ter, é relacionarmo-nos positiva e emocionalmente com pessoas, objectos, situações, ideias, através do nosso afecto, e não em vez dele. Nós não somos os acontecimentos da nossa vida, mas sim a nossa relação eles”.

 

Impera a necessidade de um compromisso sério. Um intenso esforço para abrir as portas à percepção, saindo do óbvio e permitindo a mobilização autênticas ressonâncias emocionais. O ser humano é por natureza emocional e um ser ético. Para quê desviar o olhar ou assobiar para o lado, quando vemos alguém numa cadeira de rodas? É que essa fuga, na verdade, não é do que está lá fora – a pessoa na cadeira de rodas – mas sim, de uma qualquer dor que se tem dentro e a qual se prefere ignorar.

 

IV

 

É na tentativa de criar uma visão de bem-estar comum, que se bate por desconstruir mitos, preconceitos e estereótipos que o projecto aconteSer se pretende edificar. Deseja-se esbater a marginalização constante, muitas vezes silenciosa. É ambição assumida aproximar as pessoas com e sem deficiência. Para isso há que apostar numa sociedade mais fraterna e capaz de criar mais respostas, para que ninguém fique de fora. Aproveitando o acontecimento de dia 3 de Dezembro, a comemoração o Dia Internacional da Deficiência, que se meditem sobre estes desafios. Embora, todos os dias sejam oportunos para celebrar a diversidade humana, pois essa é a nossa inesgotável fonte de riqueza!

 

 

 

 

A Busca da Felicidade - Um Mito?

November 23, 2015

Por Filipa Filipe.

Créditos Imagem: Google Imagens.

 

I

 

Adverte-se desde já que estas palavras não aspiram ao pretensiosismo de veicular um pensamento original e hermético, sobre este tema tão quente.

 

Posto isso, a pergunta que se impõe rapidamente: o que é a felicidade? Existem diversas respostas que abarcam diferentes perspectivas. Por questões pessoais e pragmáticas, a via escolhida para a construção deste texto cruza alguns pensamentos do existencialismo com outros da psicanálise, num enquadramento não técnico, logo mais acessível.

 

II

 

O paradigma da sociedade actual - além de assentar nas questões do sucesso, dos números e da imagem – também se vem arquitectando numa busca desenfreada pela felicidade, para amenizar um generalizado mal-estar social decorrente do progresso acelerado. Mas, como definir essa espécie de Santo Graal? Num primeiro momento, mais simplista, basta pegar num qualquer dicionário e encontrar alguns descritores como “estado de quem é feliz” e “alegria”. Mas, inevitavelmente, (as)saltam-nos questões. Será possível estarmos em permanente estado de contentamento? Creio que não, mas a verdade é que concorrem umas crenças que se têm tornado virais e que funcionam como adesivos fictícios para as feridas da alma. “Para ser feliz, basta pensar positivo”, entre outras afins, que vão ignorando a nossa paleta variada de emoções e sentimentos necessários às nossas interacções constantes com os outros. Chega-se, por vezes, ao cúmulo de aliciar quem sofre a camuflar ou a reprimir as emoções e os sentimentos tidos como negativos. Parece que não há lugar para a tristeza! Uns repelem-na, por medo de contágio, outros mostram-se mesmo ofendidos. Ou então, numa atitude de desvalorização, é porque tresanda logo a depressão (no caso dos obcecados por patologia).

 

Neste caldo entornado de crenças irracionais, vão-se igualmente difundindo promessas vãs com base em experiências pessoais ou em estudos tendenciosos, que se resumem essencialmente a: “Faça como eu e tenha a vida dos seus sonhos”. Ou seja, ser feliz é simples, é obrigatório e basta seguir o que outra pessoa fez e… já está!

 

Afinal, o que pensar desta busca pela felicidade? Dependerá certamente do olhar de cada um, mas também que não se infira já, precipitadamente, que tentar ser feliz mais vezes é perigoso ou egoísta. Estão abertas as hostilidade para ir além do óbvio.

 

III

 

Fora do registo habitual desta “cultura da felicidade instantânea”, existem perspectivas que merecerão, certamente, uma atenção cuidada. Viktor Frankl é um psiquiatra que esteve aprisionado num campo de concentração nazi. Ficou sem a mulher, os pais e o irmão, uma vez que, estes não resistiram ao terror dessa vida em prisão. Com base nessas vivências chegou à conclusão que, o poder da imaginação e o facto de não se ter sentido na própria existência faziam bastante diferença entre viver ou perecer em situações propensas ao desespero. Após ser libertado, escreveu um livro em 9 dias sobre essa terrível experiência e desenvolveu um tipo particular de psicoterapia: a logoterapia. Este tipo de apoio psicológico parte da questão central "porque não opta pelo suicídio?" em relação à pessoa que se encontra em sofrimento profundo. Independentemente da resposta, os objectivos principais são: ultrapassar a depressão, conquistar bem-estar e descobrir sentido(s) para a vida. Há quem descubra nos filhos um motivo para não deixar de viver. Outros têm o propósito de fazer do trabalho uma força vital. São inúmeras as razões fortes para conferir significado à vida, que não têm de ser necessariamente iguais às de ninguém.

 

Então, e quanto à busca da felicidade per se? Frankl defendia que a procura da felicidade minava a própria obtenção de felicidade. Todavia, podia ser experimentar-se momentaneamente alegria nas pequenas coisas da vida, até mesmo (pasme-se!) em instantes de experiências de terror. Em “Um Homem em Busca de Sentido”, clarifica que pode não se controlar tudo o que nos acontece na vida. É possível até que fiquemos sem nada; salvo - afirma ele - a liberdade de escolher como responder a essas situações, por mais críticas que sejam. Pode perceber-se aqui uma aproximação do conceito de resiliência proposto por Boris Cyrulnik, o que em poucas palavras significa: aceitar o desafio e voltar a funcionar, ou seja, seguir em frente com a vida após ser-se atingido por adversidades. Nos dias de hoje, por via de vivências e de estudos, encara-se a resiliência como atributo indispensável ao bem-estar humano.

 

IV

 

A psicanálise actual – que em Portugal tem como expoente o pensamento particular do carismático psicanalista António Coimbra de Matos - conceptualiza o ser humano como relacional. É pela construção de uma relação de qualidade num espaço terapêutico que floresce a “cura”, transpondo-se essa novidade relacional nas demais relações. Falar-se-ia, então, de patologia na hipótese de haver perturbações ao nível do estilo relacional da pessoa em acompanhamento psicológico. Se somos seres de relações e somos avessos à solidão – o que é diferente do saber estar “só” (distinga-se!) – facilmente se depreende que fomentar relações significativas nos permite funcionar de forma mais equilibrada.

 

Hoje assistimos a uma massa significativa da sociedade que parece estar desconectada do mundo dos afectos e da natureza, o que presumivelmente se traduz em criminalidade acrescida, actos terroristas sem causa e perturbações nas esferas individual e social.

 

Permanece a ilusão de que, sem consciência e preocupação pelos sentimentos verdadeiros dos próprios e dos outros, se deixa de sofrer e assim se vai aproximando da conquista da felicidade contínua. Há uma hipótese, defendida por Arno Gruen, que sugere que na raiz desta despersonalização e desumanização, cada vez mais notória nos dias que correm, se pode encontrar uma “traição do eu” por obediência precoce e continuada aos progenitores (futuramente a outras figuras de autoridade), ignorando assim os próprios sentimentos. Compreende-se então que não será destituindo as relações do bálsamo emocional, que se ficará mais feliz, porque como se sabe precisamos de nos relacionar e de forma saudável.

 

V

 

Neste conjunto de visões do mundo, defende-se que a felicidade não deve ser essa busca ad aeternum, que se tenta implementar socialmente, seguindo uma via exclusiva e isenta de sofrimento. 

 

Nestes moldes, faz mais sentido meditar sobre viver uma vida interessante, mais plena, onde cabem sim alguns pequenos momentos de pura felicidade, mas também, onde existem alguns momentos de sofrimento (de preferência, que proporcionem aprendizagem e crescimento interior). Pois a obsessão pela felicidade e pelo sucesso, herdeiros do progresso, não permitem levar alguém a bom porto nessa tarefa de viver uma vida mais autêntica. Será então uma grande ilusão pensar que se pode ir vivendo a evitar o conflito e o sofrimento, sempre que se quer, escolhendo vias estéreis como a repressão de emoções, o alheamento de si e o afastamento dos outros.

 

Por último, é indispensável estar disponível para aprender formas mais maduras de se lidar com o mundo emocional e com o mundo relacional, apostando na direcção da espontaneidade e estabelecendo relações autênticas com pessoas significativas, criando novas ligações e sem esquecer a capacidade de sonhar.

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